
O INCA, ao longo dos últimos anos, tem apoiado e
participado de diferentes movimentos e ações de enfrentamento aos agrotóxicos,
tais como a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, o Fórum
Estadual de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos do Estado do Rio de Janeiro, o
Dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) “Um alerta sobre os
impactos dos agrotóxicos na saúde”, a Mesa de Controvérsias sobre Agrotóxicos
do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – Consea e os
documentários “O Veneno Está na Mesa 1 e 2”, de Silvio Tendler.
Além disso, junto com outros setores do Ministério da Saúde, incluiu o tema “agrotóxicos” no Plano de Ações Estratégicas de Enfrentamento das Doenças Crônicas Não-Transmissíveis no Brasil (2011-2022). Em 2012, a Unidade Técnica de Exposição Ocupacional, Ambiental e Câncer e a Unidade Técnica de Alimentação, Nutrição e Câncer do INCA organizaram o “I Seminário Agrotóxico e Câncer”, em parceria com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Esse evento reuniu profissionais da área da saúde, pesquisadores, agricultores e consumidores para debater os riscos à saúde humana decorrentes da exposição aos agrotóxicos, particularmente sua relação com determinados tipos de câncer. E em 2013, em conjunto com a Fiocruz e a Abrasco, assinou uma nota alertando sobre os perigos do mercado de agrotóxicos.
Nesta perspectiva, o objetivo deste documento é
demarcar o posicionamento do INCA contra as atuais práticas de uso de
agrotóxicos no Brasil e ressaltar seus riscos à saúde, em especial nas causas
do câncer. Dessa forma, espera-se fortalecer iniciativas de regulação e
controle destas substâncias, além de incentivar alternativas agroecológicas
aqui apontadas como solução ao modelo agrícola dominante.
Os agrotóxicos são produtos químicos sintéticos
usados para matar insetos ou plantas no ambiente rural e urbano. No Brasil, a
venda de agrotóxicos saltou de US$ 2 bilhões para mais de US$7 bilhões entre
2001 e 2008, alcançando valores recordes de US$ 8,5 bilhões em 2011. Assim, já
em 2009, alcançamos a indesejável posição de maior consumidor mundial de
agrotóxicos, ultrapassando a marca de 1 milhão de toneladas, o que equivale a
um consumo médio de 5,2 kg de veneno agrícola por habitante 2.
É importante destacar que a liberação do uso de
sementes transgênicas no Brasil foi uma das responsáveis por colocar o país no
primeiro lugar do ranking de consumo de agrotóxicos, uma vez que o cultivo
dessas sementes geneticamente modificadas exige o uso de grandes quantidades
destes produtos.
O modelo de cultivo com o intensivo uso de
agrotóxicos gera grandes malefícios, como poluição ambiental e intoxicação de
trabalhadores e da população em geral. As intoxicações agudas por agrotóxicos
são as mais conhecidas e afetam, principalmente, as pessoas expostas em seu
ambiente de trabalho (exposição ocupacional). São caracterizadas por efeitos
como irritação da pele e olhos, coceira, cólicas, vômitos, diarreias, espasmos, dificuldades respiratórias, convulsões e
morte. Já as intoxicações crônicas podem afetar toda a população, pois são
decorrentes da exposição múltipla aos agrotóxicos, isto é, da presença de
resíduos de agrotóxicos em alimentos e no ambiente, geralmente em doses baixas.
Os efeitos adversos decorrentes da exposição crônica aos agrotóxicos podem aparecer
muito tempo após a exposição, dificultando a correlação com o agente. Dentre os
efeitos associados à exposição crônica a ingredientes ativos de agrotóxicos
podem ser citados infertilidade, impotência, abortos, malformações,
neurotoxicidade, desregulação hormonal, efeitos sobre o sistema imunológico e
câncer.
Os últimos resultados do Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos (PARA) da Anvisa revelaram amostras com resíduos de agrotóxicos em quantidades acima do limite máximo permitido e com a presença de substâncias químicas não autorizadas para o alimento pesquisado. Além disso, também constataram a existência de agrotóxicos em processo de banimento pela Anvisa ou que nunca tiveram registro no Brasil.
Vale ressaltar que a presença de resíduos de agrotóxicos
não ocorre apenas em alimentos in natura, mas também em muitos produtos
alimentícios processados pela indústria, como biscoitos, salgadinhos, pães,
cereais matinais, lasanhas, pizzas e outros que têm como ingredientes o trigo,
o milho e a soja, por exemplo. Ainda podem estar presentes nas carnes e leites
de animais que se alimentam de ração com traços de agrotóxicos, devido ao
processo de bioacumulação. Portanto, a preocupação com os agrotóxicos não pode
significar a redução do consumo de frutas, legumes e verduras, que são
alimentos fundamentais em uma alimentação saudável e de grande importância na
prevenção do câncer. O foco essencial está no combate ao uso dos agrotóxicos,
que contamina todas as fontes de recursos vitais, incluindo alimentos, solos,
águas, leite materno e ar. Ademais, modos de cultivo livres do uso de
agrotóxicos produzem frutas, legumes, verduras e leguminosas, como os feijões,
com maior potencial anticancerígeno.
Outras questões merecem destaque devido ao grande
impacto que representam. Uma delas é o fato do Brasil ainda realizar
pulverizações aéreas de agrotóxicos, que ocasionam dispersão destas substâncias
pelo ambiente, contaminando amplas áreas e atingindo populações. A outra é a
isenção de impostos que o país continua a conceder à indústria produtora de
agrotóxicos, um grande incentivo ao seu fortalecimento, que vai na contramão
das medidas protetoras aqui recomendadas. E ainda, o fato de o Brasil permitir
o uso de agrotóxicos já proibidos em outros países.
Ressalta-se que em março de 2015 a Agência
Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) publicou a Monografia da IARC volume
112, na qual, após a avaliação da carcinogenicidade de cinco ingredientes
ativos de agrotóxicos por uma equipe de pesquisadores de 11 países, incluindo o
Brasil, classificou o herbicida glifosato e os inseticidas malationa e
diazinona como prováveis agentes carcinogênicos para humanos (Grupo 2A) e os
inseticidas tetraclorvinfós e parationa como possíveis agentes carcinogênicos
para humanos (Grupo 2B). Destaca-se que a malationa e a diazinona e o glifosato
são autorizados e amplamente usados no Brasil, como inseticidas em campanhas de
saúde pública para o controle de vetores e na agricultura, respectivamente.
Além dos efeitos tóxicos evidentes descritos na
literatura científica nacional e internacional, as ações para o enfrentamento
do uso dos agrotóxicos têm como base o Direito Humano à Alimentação Adequada –
DHAA (previsto nos artigos 6º e 227º da Constituição da República Federativa do
Brasil de 1988), a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
(Decreto nº7.272, de 25/08/2010), a Política Nacional de Saúde Integral das
Populações do Campo e da Floresta - PNSIPCF (Portaria nº 2.866 de 02/12/2011),
a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Portaria nº 1.823, de 23/08/2012) e a Política Nacional de
Agroecologia e Produção Orgânica - PNAPO (Decreto nº 7.794, de 20/08/2012).
Considerando o atual cenário brasileiro, os estudos científicos desenvolvidos até o presente momento e os marcos políticos existentes para o enfrentamento do uso dos agrotóxicos, o Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) recomenda o uso do Princípio da Precaução e o estabelecimento de ações que visem à redução progressiva e sustentada do uso de agrotóxicos, como previsto no Programa Nacional para Redução do uso de Agrotóxicos (Pronara).
Em substituição ao modelo dominante, o
INCA apoia a produção de base agroecológica em acordo com a Política Nacional
de Agroecologia e Produção Orgânica. Este modelo otimiza a integração entre
capacidade produtiva, uso e conservação da biodiversidade e dos demais recursos
naturais essenciais à vida. Além de ser uma alternativa para a produção de
alimentos livres de agrotóxicos, tem como base o equilíbrio ecológico, a
eficiência econômica e a justiça social, fortalecendo agricultores e protegendo
o meio ambiente e a sociedade.
A elaboração e a divulgação deste documento têm como objetivo contribuir para o papel do INCA de produzir e disseminar conhecimento que auxilie na redução da incidência e mortalidade por câncer no Brasil.
Texto retirado do Relatório do INCA!
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