O ano de 2015 se encerrou com as mesmas notícias com que já estamos
ficando acostumados: a economia retraiu-se, a inflação elevou-se, a indústria
encolheu e o desemprego aumentou. Nesse cenário desalentador, só a agropecuária
seguiu crescendo, produzindo mais, exportando mais e gerando US$ 80 bilhões de
superávit. Se as previsões dos analistas econômicos se confirmarem, 2016
repetirá a mesma história. Será possível que, numa economia em crise
generalizada, um setor isolado continue se expandindo sem ser afetado pelo
ambiente ao seu redor?
Isso só seria possível se nosso setor de produção rural fosse uma espécie
de enclave econômico, operando no território do País, mas com a produção
voltada quase exclusivamente para os mercados externos. Exemplos dessa natureza
podem ser encontrados em países produtores de petróleo ou outros minerais,
cujas cadeias produtivas têm pouca integração com sua economia interna. O que se
passa com a agricultura e a pecuária do Brasil é muito diferente.
Apesar de sermos hoje um dos três maiores fornecedores de alimentos para
o mundo, com presença dominante numa lista de mercados que inclui a soja, café,
suco de laranja, carnes bovina, suína e de frango, açúcar, algodão, tabaco,
além de investidas promissoras em mercados como os de milho, frutas e lácteos,
a verdade é que a produção rural brasileira é predominantemente voltada para o
mercado interno.
Além disso, nossa estrutura de produção é altamente diversificada,
produzindo centenas de produtos exclusivamente para o consumo nacional. A
produção rural brasileira não é um enclave exportador, mas surgiu e cresceu
para atender ao mercado interno e graças à sua produtividade e a seus custos competitivos
exportou excedentes e conquistou os mercados mundiais.
Para que a agricultura e a pecuária do Brasil possam seguir crescendo é
absolutamente necessário que o País supere a crise que está vivendo. Caso
contrário, o setor também será arrastado para as dificuldades que hoje atingem
tão duramente a indústria e o setor de serviços. Se o desemprego e o declínio
da renda familiar se mantiverem por mais tempo, o resultado natural será a
contração do mercado interno, com pressão sobre os preços, em atividades cujas
margens de lucro já são muito estreitas na maioria dos casos.
A maior parte dos produtos da nossa agricultura é destinada
exclusivamente ao mercado doméstico e não poderá compensar a retração das
vendas externas com a exportação. Quanto aos outros produtos com tradição
exportadora, o aumento dos saldos exportáveis poderá pressionar ainda mais os
preços externos, que já estão em trajetória declinante faz algum tempo.
Um possível colapso de algumas atividades produtivas atingirá
especialmente os produtores mais vulneráveis, desorganizando estruturas
produtivas longamente construídas, com inevitáveis reflexos sociais. Como é uma
atividade sazonal, dependente do curso das estações, a agropecuária tem pouca
capacidade de adaptação aos ciclos econômicos.
Se a crise brasileira nos atemoriza quanto à demanda, a história não é
menos assustadora em relação à oferta. A moderna agropecuária do País, que teve
início nos anos 70 do século passado, é um empreendimento essencialmente
privado. O Estado teve sua parte, em especial na produção do conhecimento
científico e tecnológico, por meio da excelência singular de nossas
universidades rurais e da experiência pioneira da Embrapa, bem como na montagem
de um sistema eficiente de crédito rural.
Foi a iniciativa privada que transformou os campos do sul do Brasil e
ocupou os vastos cerrados improdutivos que predominavam em grande parte de
nosso território. Foi trabalho de pioneiros, portadores de experiência
profissional na produção e capazes de empreender e assumir riscos tremendos.
Povoaram grandes vazios, sem os confortos das cidades e sem a menor
infraestrutura, numa aventura pessoal que merece justo registro na História
moderna do Brasil.
A eficiência do setor privado excedeu, em muito, a competência do Estado
brasileiro. Assim, os resultados de grande parte da produção são afetados pela
carência quase absoluta de infraestrutura. Não temos rodovias, ferrovias,
hidrovias ou portos para escoar a produção a custos minimamente razoáveis. Os
custos logísticos recaem sobre o produtor e o consumidor doméstico.
Por mais que os produtores aumentem sua produtividade, com pesados
investimentos dentro das fazendas, seus lucros estão cada vez menores e os
preços aos consumidores são maiores do que poderiam ser. O Estado brasileiro encontra-se,
há muito, em situação quase falimentar e não tem sequer uma fração dos recursos
necessários aos investimentos que precisam ser feitos.
Esta é uma realidade que não podemos disfarçar com a retórica fútil das
ideologias políticas. Só o setor privado pode construir e operar a
infraestrutura que precisamos. Mas a incompetência dos órgãos estatais,
capturados pela baixa política, e a aversão ideológica ao capitalismo e ao
setor privado ou retêm mais encargos do que ele pode suportar ou impedem que os
processos de concessão cheguem a termo.
Enquanto os preços externos estavam anormalmente elevados, todas as
deficiências puderam ser ignoradas. Agora que a realidade bate à nossa porta,
quem vai pagar o preço da imprevidência? Mais uma vez, não será o Estado
abstrato, mas os produtores e consumidores, gente de carne e osso.
Até agora, a produção rural tem sobrevivido à crise geral do Estado e da
economia brasileira. Infelizmente, nosso sentimento é que esta crise vai afetar
a agricultura e a pecuária, se durar mais tempo. A paisagem política, porém,
não nos deixa margem para muita esperança. O poder político, entre nós, parece
aspirar apenas à sua própria sobrevivência, sem mais nenhum propósito de
resolver os problemas verdadeiros do País e das pessoas. É o que nos dá razão
de sobra para temer pelo futuro.
Por João
Martins da Silva Junior - Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária
do
Brasil (CNA).
Nenhum comentário:
Postar um comentário